Challenge Roth

    Não vou, certamente, conseguir pôr tudo em palavras. E as que escrever serão, com igual confiança, impulsionadas por todos os triatletas que já se cruzaram com Roth e que, sem excepção, me contaram da prova com um brilho muito característico nos olhos. A minha opinião é, portanto, fortemente influenciada pelos seus relatos… e eu estou 100% confortável com isso. Depois do que vivi naquela pequena localidade alemã, qual berço do Triatlo, acho até que só isso faz sentido.

    Não me lembro ao certo quando surgiu o sonho de realizar um “Ironman”, mas sei que foi entre uma altura onde participava em várias provas de Águas Abertas na ilha com bons resultados, uma altura onde já tinha descoberto um certo jeito e gosto pela corrida (pré épocas na natação e aulas de Educação Física) e uma altura onde o fenómeno Vanessa Fernandes reinava. Sei também que quando conheci a mítica distância disse para mim que um dia a iria realizar, apontando-a na minha bucket list. Não fazia ideia da dimensão da “coisa”, da quantidade de “tugas” que partilhavam o mesmo sonho e objectivo…

    Pensei para mim que as componentes de ciclismo e corrida seriam treinadas ao longo dos anos, pouco a pouco, de forma solitária, e que quando me sentisse preparado realizaria “O Evento”. Inscrevi-me (ou inscreveram-me 🙂 ) no meu primeiro Half em 2013, mas deste então as coisas mudaram, e muito… Tomei-lhe o gosto, descobri (ou descobriram!) que tinha algum jeito e passei a competir em várias vertentes do Triatlo por equipas. O lado competitivo, em mim adormecido, voltou a fluir-me impetuosamente nas veias. O Sonho foi reformulado, já não bastava concluir um Ironman…

    Há cerca de um ano, não consegui resistir à tentação e inscrevi-me no Challenge Roth! Todavia, imaginei uma caminhada muito diferente… Em 2018, o tempo e as condições para treinar foram demasiado inconsistentes. Uma nova bicicleta que teimou em só ficar pronta em vésperas da prova, uma lesão que me impedia de correr, uma Tese para concluir, foram algumas das circunstâncias que me levaram a desmotivar. Não cheguei ao grande dia com o treino que queria, nem de perto, agarrando-me essencialmente ao que tinha conquistado em anos anteriores para poder, ao menos, cruzar a linha de meta. Mudei o “chip”, o tempo final não seria importante. Queria absorver e desfrutar de tudo… aí entra a magia de Roth!

É certo que não tenho termo de comparação em competições “fora de portas”, mas tudo por lá parece perfeito. O espírito dos atletas e do público, a organização… faz-nos sentir especiais e não apenas “mais um”. Tudo está feito e pensado ao pormenor para proporcionar ao triatleta uma experiência dos diabos! De repente, os maus momentos dos últimos meses já não eram tão importantes assim… que lufada de ar fresco!

Acordar às 4 da manhã não aparenta ser um sacrifício, entrar na água pelas 7 também não. Pelo meio, música e discursos motivacionais, 4500 atletas, muitos mais a assistir e a criar uma incrível moldura humana em redor do canal, tiros de canhão para sinalizar as partidas por vagas, balões de ar quente. Braçada após braçada os 3800 metros foram passando sem me dar conta, tal era a concentração e a felicidade.

Após 55 minutos, saio da água e começo a avaliar a minha condição física. Não estando em boa forma, não era um mau tempo, era precisamente aquele que achava que faria e isso deu-me confiança que conseguiria, também, ultrapassar os 180 km de ciclismo se seguisse o meu plano (muito conservador, diga-se). Havia que ter atenção à alimentação, hidratação, não cometer loucuras no andamento e perceber, “no campo”, como pedalar tanto quilómetro eficientemente antes de correr uma maratona ahahah! Fui arranjando metas intermédias, a primeira das quais, a mais emblemática de todas… situada ao km 70, a mágica subida Solarer Berg (Solar Hill)! Já tinha visto muitos vídeos e ouvido muitos relatos, já lá tinha passado uns dias antes e imaginado como seria em prova, como tal, a expectativa era gigante. Fui contanto os quilómetros que faltavam para lá chegar, até que reconheço a tarja a dizer “Welcome Home Triathletes”, e percebo que assim que fizesse uma curva à direita deparar-me-ia com a imagem que tanto ansiava… O que se sucedeu a seguir foi muito para lá do esperado, ultrapassou tudo o que tinha imaginado! E sim, nesse momento os olhos soltaram umas lágrimas! Por perto vi o Diogo e o Migalhas a vibrarem com tudo aquilo. Ao fundo vi um mar de pessoa que tapavam qualquer vestígio de estrada inclinada que eu pudesse vislumbrar, e um barulho ensurdecedor! Abriram um estreito percurso, o mais estreito possível, para poder passar, qual ciclista de topo a lutar pela camisola amarela na etapa rainha de uma Grande Volta… que memória incrível…

O ritmo baixou consideravelmente nos segundos 90 quilómetros, por fraqueza, pelo desconforto fruto da pouca ou nenhuma habituação à posição aerodinâmica na nova bike e também por começar a pensar na maratona. Dado o estado das minhas pernas, tinha medo de saltar da bicicleta e nem correr conseguir, mas nem que fosse a andar, era para cruzar a meta! 5h41 a pedalar, talvez uns minutos a mais do que esperava, mesmo considerando o meu novo referencial (aquele que tem em conta a não preparação para a prova), mas nada de grave, pois tinha folga temporal suficiente. Quando o momento de colocar os pés no chão chegou, senti-me solto o suficiente para uma lenta e longa corrida, sempre à espera que a dada altura a quebra acontecesse e tivesse que ir buscar a restante força à alma.

Boa parte do último segmento foi feito num troço junto à margem do canal onde umas horas antes tinha nadado. Por um lado, havia a vantagem de ser mais “fresco”, por outro não tinha espaço para o fantástico público de Roth, que tanto ânimo dá. Em muita da restante parte, esse apoio esteve presente, até com speakers a chamarem pelo nome dos triatletas. Aos 20 e tal quilómetros o cansaço começa a ser notório, mas não o suficiente para precisar de parar. As regras de ouro do ciclismo também serviram para a corrida: alimento, hidratação, prudência.

Pelos 30, após um troço mais inclinado, o ritmo volta a cair um pouco. De seguida, sou ultrapassado pelo Mário, quis muito seguir com ele e testei por uns instantes aumentar o ritmo, mas logo os alarmes começaram a soar. Prometi vê-lo novamente na meta, registo da conclusão do nosso primeiro “Ironman”. Aos 33km começaram os avisos de cãibras na perna da anterior lesão, felizmente não passou de um susto, que só se voltou a repetir ao km 38. No entanto, nessa altura era como se já avistasse a meta… já levava aproximadamente 222 km no corpo, mais 4 era apenas uma questão de tempo. Comecei a notar mais e mais público junto ao percurso, estava a chegar à zona do estádio onde a linha de chegada se situava, outro famosíssimo local. E ele lá estava, imponente, cheio e ao rubro!

10 horas, 16 minutos e 10 segundos. Um sonho estava realizado, bem ou mal, estava feito. Que viajem extraordinária tinha sido! As celebrações prolongaram-se por todo o dia e as maiores ovações estavam destinadas aos últimos bravos triatletas. No fim, todos foram coroados com um espetáculo pirotécnico que fez puxar à pele as emoções. É realmente uma sensação de realização enorme, mas que ao mesmo tempo deixa vontade de repetir! O “bichinho” veio para ficar!

Talvez o meu maior receio fosse ficar aborrecido com o tempo de prova, chegar a dada altura da natação, ciclismo ou corrida e sentir-me farto, mas isso não aconteceu. As horas passaram a voar, o que diz muito do quão especial isto é. O corpo recuperou (está a recuperar) e não há mazelas. A cabeça… essa já pensa no próximo! E em muitas outras provas mais curtas pelo meio. E no treino, pensa no treino! 😀

Quero fazer mais Ironmans, sentir tudo de novo. E quero voltar a Roth! Chegar lá preparado e devolver o apoio e carinho com uma grande exibição! Que prova magnífica… já o tinha dito?

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